1. INTRODUÇÃO
Antes de iniciarmos o estudo sobre a origem do Direito Administrativo, faz-se necessário definir o Direito em si. De acordo com lição de Hely Lopes Meirelles, “o Direito, objetivamente considerado, é o conjunto de regras de conduta coativamente impostas pelo Estado”. Podemos dividi-lo em dois grandes ramos, quais sejam, o direito público e o direito privado.
O direito público, segundo Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo, tem por objeto principal regular os interesses da sociedade, disciplinando suas relações com o Estado e as relações das entidades e órgãos estatais entre si. O direito público cuida do interesse público, só se referindo ao indivíduo de maneira secundária. Na visão dos autores, a desigualdade nas relações jurídicas regidas pelo direito público é tida como sua principal característica, tendo em vista que o interesse público deve prevalecer sobre o interesse privado. Dessa forma, ao atuar na defesa do interesse público, o Estado desfruta de certos privilégios que o deixam em uma situação de superioridade perante o particular, restando garantidos os direitos individuais e a observância à lei.
No caso do direito privado, a regulação dos interesses individuais mostra-se como foco principal, possibilitando o convívio das pessoas em sociedade, apresentando como característica principal a existência de igualdade jurídica entre as partes, uma vez que os interesses dos quais trata são interesses particulares, não havendo, portanto, qualquer razão para que se estabeleça relação de subordinação entre as partes.
Diante disso, observamos que o Direito Administrativo constitui um dos ramos do direito público, conduzindo o andamento das atividades do Estado voltadas para a satisfação de interesses públicos e surgindo para limitar a ação do poder estatal em razão ao respeito aos direitos dos cidadãos.
Após essas definições passaremos a analisar a origem e evolução do Direito Administrativo e como este passou a influenciar na organização do Estado.
2. A ORIGEM DO DIREITO ADMINISTRATIVO
A Administração Pública, de certa forma, começou a se fazer presente no momento da organização do Estado e da definição de suas funções, uma vez que houve a necessidade de se originar uma atividade exclusivamente administrativa para disciplinar os direitos da sociedade.
Entretanto, o que havia, na realidade, eram normas vagas a respeito da Administração Pública, não havendo normas próprias que gerassem autonomia a essa atividade.
Segundo a doutrina, o Direito Administrativo, como disciplina jurídica dessa atividade, teve origem na França no final do século XVIII e início do século XIX com a Revolução Francesa.
A Lei 28 do ano VIII, elaborada na França em 1800, que organizou a Administração Pública daquele Estado baseada na hierarquia e centralização, costuma ser apontada como data de nascimento do Direito Administrativo. Contudo, a edição dessa lei não pode ser vista como fundamento principal da formação do Direito Administrativo.
A construção do Direito Administrativo iniciou-se na França, com os movimentos revolucionários do século XVIII, que fizeram surgir o Estado de Direito, baseado nos princípios da legalidade (em que os governantes também são submetidos à lei) e da separação dos poderes (objetivando assegurar a proteção dos direitos individuais entre todos e em todos os níveis), passando a ganhar contornos de ramo autônomo do Direito.
O Direito Administrativo, portanto, nasceu com o Estado de Direito, o qual é submetido às regras que disciplinam as relações entre a Administração Pública e os administrados, assegurando a plena gestão do interesse público e garantindo os direitos dos administrados.
Corroborando com esse entendimento, Celso Antônio Bandeira de Mello diz que “o Direito Administrativo, nasce com o Estado de Direito, porque é o Direito que regula o comportamento da Administração. É ele que disciplina as relações entre a Administração e administrados, e só poderia existir a partir do instante em que o Estado estivesse enclausurado pela ordem jurídica e restrito a mover-se dentro do âmbito desse mesmo quadro normativo estabelecido genericamente”.
A subordinação ao comando da lei, a separação dos poderes e a garantia dos direitos individuais são características marcantes do Estado de Direito que, com a Revolução Francesa, veio para substituir o antigo Estado de Polícia, característico da monarquia absoluta, onde todo o poder político se concentrava no Monarca, que não obedecia ao comando da lei, pois a lei era imposta apenas aos particulares.
Os ideais revolucionários tinham como propósito combater o absolutismo monárquico e separar os poderes, obrigando o Estado a respeitar os direitos individuais e propiciando dignidade para todos.
Antes da Revolução Francesa, as funções administrativas sofriam constante influência das decisões do poder judiciário, decisões estas que ultrapassavam a competência judicial, adentrando no mérito administrativo. Com a separação dos poderes, após a revolução, chegou-se a proibir o Judiciário de julgar causas em que a Administração Pública fizesse parte, uma vez que isso ocasionaria um conflito de Poderes. Diante disso, a própria Administração passou a julgar os conflitos propostos contra ela, nascendo assim o sistema do Administrador-juiz.
Logo após isso, em 1799, criou-se um tribunal administrativo chamado de Conselho de Estado, ao qual competia realizar consultas e recorrer das decisões dos órgãos administrativos, apenas indicando a decisão que o Chefe de Estado deveria tomar, uma vez que este tinha a opção de acolher ou não a determinação do Conselho de Estado.
Esse poder atribuído ao Chefe de Estado de acolher ou não as decisões do Conselho foi abolido em 1872, restando a ele o poder de revisá-las, pois não possuía mais influência sobre as decisões do Conselho que, apesar disso, continuou exercendo suas competências em caráter recursal, identificando-se ainda a presença do sistema do administrador-juiz.
O Conselho de Estado foi de grande importância para a formação do Direito Administrativo uma vez que suas decisões fundamentaram a base de sustentação desse novo ramo do Direito.
Diante de tudo isso, surgiu o sistema francês (também chamado de dualidade da jurisdição ou contencioso administrativo), que se define como um dos sistemas administrativos que eram adotados pelo Estado no intuito de fiscalizar a validade dos atos praticados pela administração em qualquer das esferas de governo. No caso específico do sistema francês, tanto os Tribunais Judiciais quanto os Tribunais Administrativos possuem competência para analisar os conflitos e decidir de forma definitiva, havendo, portanto, uma dualidade de jurisdição.
Ressalte-se, ainda, entre os sistemas administrativos, a existência do Sistema Inglês ou de jurisdição única, em que os litígios são sempre decididos pelo Poder Judiciário.
Dessa forma, passemos a uma melhor análise sobre esses sistemas.
3. Sistemas Administrativos: Sistema Inglês e Sistema Francês
3.1. Sistema Francês ou Sistema do contencioso administrativo
O sistema francês, segundo ensinamentos de Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo, é aquele em que se veda o conhecimento pelo Poder Judiciário de atos da administração pública, ficando estes sujeitos à chamada jurisdição especial do contencioso administrativo, formada por tribunais de índole administrativa. Esse sistema originou-se na França, expandindo-se para outros países.
Objetivando o liberalismo e a independência dos Poderes, os constituintes pós-revolucionários aproveitaram as circunstâncias favoráveis para separar a Justiça Comum da Justiça Administrativa, sob a justificativa de que a solução dos conflitos dos quais a administração pública fazia parte não poderiam ficar entregues ao poder judiciário.
O conflito entre a administração e o judiciário se justifica em razão da oposição que o judiciário fazia aos ideais da Monarquia, sendo uma das causas motivadoras da Revolução.
Dessa forma, a instituição do contencioso administrativo, segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, teve apoio no texto do artigo 13 da Lei 16 de 24.8.1790, que dispõe que “as funções judiciárias são distintas e permanecerão sempre separadas das funções administrativas. Não poderão os juízes, sob pena de prevaricação, perturbar de qualquer modo as operações dos corpos administrativos, nem citar diante de si os administradores por motivo das funções que estes exercem”.
Assim, de acordo com a doutrina, o sistema francês compõe-se por duas jurisdições, sendo uma voltada para a solução dos conflitos especificamente administrativos, chamada de jurisdição administrativa, e outra composta pelos Tribunais do Judiciário, com responsabilidade perante os demais conflitos, denominada de jurisdição comum.
3.2 Sistema inglês ou de jurisdição única
Segundo a doutrina, o sistema inglês ou sistema judiciário, podendo ainda ser denominado de jurisdição única, é aquele em que todas as demandas, que envolvam tanto interesses administrativos como interesses particulares, podem ser solucionados diretamente pelo Poder Judiciário, sendo este o único poder que tem competência para julgar de forma decisiva os casos submetidos ao seu exame.
Este sistema teve início na Inglaterra, de onde proliferou para os Estados Unidos, México e Brasil, entre outros países.
Na lição de Hely Lopes Meirelles, ”a evolução desse sistema está intimamente relacionada com as conquistas do povo contra os privilégios e desmandos da Corte inglesa. Primitivamente, todo o poder de administrar e julgar concentrava-se na Coroa. Com o correr dos tempos, diferenciou-se o poder de legislar (Parlamento) do poder de administrar (Rei). Mas permanecia com a Coroa o poder de julgar. O rei era a fonte de toda justiça e o destinatário de todo recurso dos súditos. O povo sentia-se inseguro de seus direitos, pois permanecia dependente da graça real na apreciação de suas reclamações. As reivindicações populares continuaram, e em atendimento delas criou-se o Tribunal do Rei, que, por delegação da Coroa, passou a decidir as reclamações contra os funcionários do Reino, mas o fazia com a chancela real. Esse sistema era ainda insatisfatório, porque os julgadores dependiam do Rei, que os podia afastar do cargo e, mesmo, ditar-lhes ou reformar-lhes as decisões. Logo mais, o Tribunal do Rei passou a expedir em nome próprio ordens (writs) aos funcionários contra quem se recorria e mandados de interdições de procedimentos administrativos ilegais ou arbitrários. Dessas decisões tornaram-se usuais o writ of certiorari, para remediar os casos de incompetência e ilegalidade graves; o writ of injunction, remédio preventivo destinado a impedir que a Administração modificasse determinada situação; o writ of mandamus, destinado a suspender certos procedimentos administrativos arbitrários; e o writ of habeas corpus, já considerado garantia individual desde a Magna Carta (1215)”.
Ainda segundo o autor, a Justiça Inglesa ganhou sua independência em 1701, com o ato que desvinculou os juízes do Poder Monárquico dando-lhes estabilidade e mantendo as suas competências para questões comuns administrativas, sendo instituído o Poder Judicial independente, com jurisdição única e plena, se expandindo para as colônias norte-americanas e nelas se solidificando de tal forma que os Estados Unidos conservam esse sistema na sua integralidade.
A adoção do sistema de jurisdição única não implica a proibição da solução de litígios no âmbito administrativo, segundo afirmam os ensinamentos de Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo. O que se pretende com ele é assegurar que qualquer demanda, mesmo já existindo no âmbito administrativo, possa ser levada para a análise do Judiciário.
Com isso, é importante observar que no Brasil, país que adota o sistema inglês assim como os Estados Unidos, afirmar que o controle da legalidade da atividade administrativa é executado pelo Poder Judiciário não significa dizer que a administração pública não tem autonomia para controlar seus próprios atos, existindo órgãos administrativos específicos para decidir litígios dessa natureza, porém sem o poder de proferir decisões definitivas, ficando sujeitas à nova apreciação pelo poder Judiciário mediante provocação, em regra, do particular que não concorde com a decisão proferida no litígio administrativo em que ele foi parte.
No caso do administrado optar, inicialmente, pela instauração do processo administrativo, o mesmo pode desistir do processo em qualquer etapa e recorrer ao Poder Judiciário, a fim de ver decidida a sua questão na esfera judicial. Pode, ainda, recorrer diretamente ao Poder Judiciário, que uma vez provocado, tem a opção de manter o entendimento da administração, ou alterá-lo, entretanto, somente depois de esgotada a via judicial pelo particular é que a questão estará definitivamente solucionada.
No sistema francês não se pretende tirar da administração o seu poder de decisão e de gerenciar seus atos por si própria. O que lhe é negado é o exercício de atribuições que são de competência exclusiva do judiciário.
4. Características do Direito Administrativo
O Poder Executivo exerce função típica da administração pública, porém, os Poderes Legislativo e Executivo, também praticam atos de natureza administrativa quando gerenciam toda a estrutura essencial para o pleno exercício de suas atribuições.
O objeto do direito administrativo, portanto, não se resume exclusivamente às atividades que são de competência do Poder Executivo, uma vez que os demais Poderes também exercem atividades administrativas. Além da função administrativa, o Poder Executivo, exerce a chamada função de governo, ou seja, elabora políticas públicas e determina onde a administração pública deve atuar, não se restringindo ao papel de mero executor.
O Direito Administrativo disponibiliza à administração pública o exercício de privilégios especiais, mas também impõe limitações à atuação dessa administração.
Esses privilégios dos quais a administração pública dispõe decorrem da relação na qual a administração impera sobre o administrado, impondo obrigações de forma unilateral, muitas vezes restringindo o exercício de atividades ou de direitos dos particulares.
Essa relação vertical entre a administração e o particular se justifica na medida em que o Estado, no objetivo de atingir suas finalidades, muitas vezes se vê obrigado a fazer uso de poderes não disponíveis para os administrados em geral. O uso desses poderes justifica-se somente nos casos em que são estritamente necessários para que o Estado cumpra as atribuições que a lei lhe impõe.
De outro modo, as limitações ao poder estatal se contrapõem ao acima exposto, pois ao mesmo tempo em que tem privilégios, a atuação da administração sofre muitas restrições ao seu exercício, uma vez que a mesma não detém o domínio do patrimônio público, devendo atuar de acordo com os limites aos quais é submetida pela lei, podendo ser imposta ao controle direto dos administrados ou por meio dos órgãos competentes.
5. A relação do Direito Administrativo com outros ramos do Direito.
Vale a pena analisar a ligação entre o Direito Administrativo e outras áreas do direito, especificamente quanto ao Direito Civil e ao Direito Constitucional.
Historicamente, o Direito Civil influenciou bastante na criação do Direito Administrativo, especialmente diante das relações jurídicas firmadas entre a Administração e o particular. O Direito Administrativo surgiu de regras especiais que tomaram como base o Direito Civil, mas que foram moldadas à realidade administrativa, ocorrendo o momento em que o Direito Administrativo desvincula-se do Direito Civil passando a conduzir-se por seus próprios princípios.
Já o Direito Constitucional e o Direito Administrativo estão intimamente ligados um ao outro, pelo fato de tratarem de assuntos relacionados ao Estado, porém, não se confundem, uma vez que o Direito Constitucional cuida da formação do Estado como um todo, orientando a criação de órgãos essenciais e definindo direitos individuais; já o Direito Administrativo regulamenta as relações entre a Administração e os administrados, bem como trata da organização de toda estrutura interna dos órgãos da administração, fazendo com que cumpram de forma satisfatória as funções constitucionais que são impostas a eles.
Diante disso, pode-se dizer, então, que o Direito Administrativo determina o equilíbrio da relação existente entre o poder estatal, que gira em torno do interesse de todos, e a garantia dos direitos individuais, que é tratado de forma mais particular.
6. CONCLUSÃO
Com o presente estudo, podemos concluir que o Direito Administrativo surgiu em razão das necessidades constituídas pelo Estado Moderno, que, atuando de forma legislativa, administrativa e executiva, necessita da orientação específica do Direto Administrativo.
Diante disso, o Direto Administrativo age delimitando as normas responsáveis pela organização do Estado e instituindo restrições à administração pública com relação aos privilégios proporcionados a ela, organizando, assim, as relações entre a própria administração e entre esta e os administrados.
REFERÊNCIAS
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BALBÍN, Carlos F. Manual de Derecho Administrativo. 1ª ed. Buenos Aires: La Ley, 2011.
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DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 24ª ed. São Paulo. Atlas, 2011.
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 13ª ed. rev. e atual. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
Meirelles, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 33ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 22ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
Origem Histórica do Direito Administrativo. Disponível em http://www.editoraferreira.com.br/publique/media/toq41_luciano_oliveira.pdf