Lucia Jales – Advogada em Natal

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RAZOABILIDADE DO TEMPO DE DURAÇÃO PROCESSUAL

Introdução.

No ano de 1908, o Poder Judiciário do então Distrito Federal, sediado no Rio de Janeiro, julgou 7.137 processos nas Varas Cíveis, Criminais, Comerciais, de Órfãos e Ausentes, da Provedoria e Resíduos, da Fazenda Municipal e da Saúde Pública.

Na Justiça Federal, então chamada de Justiça Seccional, os feitos sentenciados daquele ano somavam 1.932.

Quase um século mais tarde, em 2004, os feitos novos na primeira instância das Justiças Estaduais do Brasil somaram 9.607.571, ao passo que o número total de juízes perfazia o montante de 7.742 magistrados, resultando em uma média de 1.257 processos novos por juiz.

Com o passar dos anos, o número de processos aumentou em ritmo geométrico, ao passo que a quantidade de juízes majorou em razão aritmética.

Como conseqüência, nos anos finais do século XX, verificou-se um engessamento quase total da máquina judiciária, onde, em vista do enorme fluxo de ajuizamento de ações perante as varas e os tribunais, os juízes e desembargadores se viram com seus gabinetes abarrotados de processos, sem que a saída dos mesmos se desse em proporção sequer próxima ao volume de entrada.

No entanto, este problema não aconteceu unicamente em decorrência do aumento da demanda processual, mas também devido a um conjunto de diversos fatores que colaboraram para que se deflagrasse esse quadro caótico. Citemos alguns: magistrados morosos e seus prazos impróprios, ausência de fiscalização da atividade judicial, inexistência de fixação de metas, quadro de servidores deficitário, precariedade da infra-estrutura física, estagnação tecnológica e aumento da complexidade das matérias postas à apreciação.

Diante desse quadro, o legislador constitucional pátrio, em homenagem às garantias judiciais previstas no artigo 8º da Convenção Americana de Direitos Humanos, consubstanciada no Pacto de San José da Costa Rica, que tem o Brasil como signatário, decidiu incluir, dentre os axiomas fundamentais previstos no texto da Carta Magna, o direito à razoável duração processual, com a intenção de tornar mais ágil e célere a prestação jurisdicional.

Ao agir assim, o legislador, muito embora não tenha solucionado de pronto a questão, agregou à sistemática de direitos e garantias fundamentais tal direito, o que estimulou a produção legislativa nesse sentido, iniciando uma nova fase no direito processual brasileiro e, em conseqüência, no aspecto prático da tramitação dos processos perante varas e Tribunais.

Entretanto, no momento em que a Emenda Constitucional nº 45/2004 era publicada, algumas perguntas tomavam de assalto o meio acadêmico e os Tribunais: “O que se entende por razoável duração do processo?”, “Qual seria o intervalo de tempo que poderia ser considerado razoável em relação à peregrinação de um processo por todas as instâncias judiciais?”, “Quais seriam as sanções aplicáveis em caso de demora não razoável na solução processual?”, “Há direito à indenização do jurisdicionado em decorrência da demora judicial?”.

Este trabalho tem por objetivo perscrutar a legislação, a doutrina e a jurisprudência, de modo a encontrar e analisar subsídios que sirvam de supedâneo para o aprofundamento do tema, bem como para a resolução dos questionamentos acima expostos.

 

Previsão Constitucional.

Representando a derradeira etapa do longo caminho percorrido pela Proposta de Emenda à Constituição de nº 96 de 1992, de autoria do então Deputado Federal Hélio Bicudo, a Emenda Constitucional nº 45 foi promulgada pelas mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal em 08 de dezembro de 2004.

Em seu artigo 1º, implementa alterações nos artigos 5º, 36, 52, 92, 93, 95, 98, 99, 102, 103, 104, 105, 107, 109, 111, 112, 114, 115, 125, 126, 127, 128, 129, 134 e 168 da Constituição Federal.

Em decorrência das modificações supracitadas, o artigo 5º da Constituição Federal foi acrescido de um inciso LXXVIII, o qual traz a seguinte redação:

Art. 5º. (…)

“LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

 

Por intermédio deste dispositivo, consagrou-se o direito à “razoável duração do processo”. No entanto, o legislador foi além, prevendo também a garantia aos “meios que garantam a celeridade de sua tramitação”, tanto na esfera administrativa quanto judicial.

Anote-se que este inciso incluído não constituiu, em uma concepção material, um dispositivo isolado na estrutura da Emenda Constitucional nº 45/2004. De fato, em vários artigos o legislador constitucional derivado procurou cercar o Poder Judiciário de obrigações que respaldassem a busca pela celeridade e instrumentalizassem a obtenção da eficaz prestação jurisdicional. Senão vejamos:

Em primeiro lugar, objetivando fixar o magistrado no lugar onde realiza a judicatura, estabeleceu que aquele deverá, em regra, residir na Comarca da qual é titular, podendo o Tribunal ao qual se encontrar vinculado autorizar situação diversa. Esta previsão consta do inciso VII do artigo 93:

“Art. 93. (…)

“VII – o juiz titular residirá na respectiva comarca, salvo autorização do tribunal”.

 

Tal regra tem por justificativa a verificação na vida prática dos fóruns de que muitos juízes titulares de Comarcas no interior dos Estados da Federação comumente residiam nas capitais, utilizando-se da segunda-feira e da sexta-feira para deslocamento, reduzindo a carga de trabalho e, em última instância, causando atrasos na tramitação dos processos.

Mais adiante, no inciso XII do mesmo artigo, foi proibida a interrupção da atividade jurisdicional, não podendo haver concessão de férias coletivas aos magistrados e devendo existir juízes trabalhando em escala de plantão nos dias em que não há expediente:

“XII – a atividade jurisdicional será ininterrupta, sendo vedado férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau, funcionando, nos dias em que não houver expediente forense normal, juízes em plantão permanente”;

 

Busca-se, com isso, evitar que os processos permaneçam por várias semanas sem movimentação, nos períodos em que os juízos estariam de recesso em razão das férias coletivas.

No inciso seguinte, busca o legislador constituinte derivado estabelecer uma relação de equivalência entre o quantitativo de magistrados e as exigências referentes à quantidade de processos existentes e ao montante da população a qual deve o Tribunal servir:

“XII – o número de juízes na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda judicial e à respectiva população”;

 

Por óbvio, somente a nomeação de novos juízes não trará a solução definitiva para a lentidão processual, uma vez que, além disso, é necessário o aparelhamento do Poder Judiciário, com a criação de cargos efetivos e nomeação de servidores de todas as áreas de conhecimento, além da necessidade de melhorias na estrutura física, com a construção de espaços físicos suficientes e a instalação de aparelhagem tecnológica que venha a auxiliar o magistrado em sua árdua tarefa.

Mais adiante, a Constituição Federal prevê a possibilidade de os magistrados conferirem poderes aos servidores do Judiciário, através de delegação, para que estes possam praticar atos gerais de ofício que não necessitam de atividade cognitiva:

“XIV – os servidores receberão delegação para a prática de atos de administração e atos de mero expediente sem caráter decisório”;

 

Com esta alteração, facultou-se aos juízes proceder à transferência temporária de seus poderes administrativos para a atribuição dos servidores os atos destituídos de conteúdo decisório, de modo que os magistrados possam se dedicar com maior disponibilidade de tempo aos atos para os quais é indispensável a presença da autoridade jurisdicional.

Um problema que há muito tempo assolava os Tribunais pátrios era que, quando se protocolava um recurso, a distribuição não ocorria incontinenti, mas se alongava, às vezes por anos, como era usual no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, até que finalmente fosse encaminhado a um Desembargador Relator.

Com o intuito de modificar este quadro, acrescentou-se o seguinte comando ao artigo 93 da Carta Magna:

“XV – a distribuição de processos será imediata, em todos os graus de jurisdição”.

 

No entanto, afigura-se conveniente frisar que esta determinação isoladamente não tem o condão de conferir celeridade aos processos, uma vez que, se não existir toda uma estrutura física e de pessoal qualificado, há tão-somente a transferência do problema, ou seja, do acúmulo de processos, que antes se dava nos protocolos, e agora passa a acontecer nos gabinetes.

Além disso, buscou-se também sedimentar o entendimento já predominante de que é necessário separar os processos grandes daqueles de menor monta, mais simples e que detêm a possibilidade de serem resolvidos em um período mais curto de tempo.

Atento a isso, o legislador constitucional acresceu ao artigo 95 um parágrafo primeiro, estabelecendo que “Lei federal disporá sobre a criação de juizados especiais no âmbito da Justiça Federal”.

Outra inovação que em muito vem proporcionando o rápido desfecho dos processos é a consagração do efeito vinculante das decisões do Supremo Tribunal Federal em relação aos demais órgãos do Poder Público brasileiro, tendo-se inserido no artigo 102 um parágrafo segundo, o qual trouxe a seguinte redação:

“§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”.

 

Na esteira desta inovação, foram instituídas as Súmulas Vinculantes, através da inclusão do artigo 103-A ao Texto Magno, trazendo o seguinte teor:

“Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

“§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

“§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.

“§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso”.

 

Por intermédio desse novo instrumento, o Supremo Tribunal Federal passou a unificar o entendimento acerca das matérias de maior controvérsia no âmbito do Poder Judiciário, de maneira que todo e qualquer processo ajuizado que verse sobre aquele assunto, em qualquer grau de jurisdição que se encontre, se seu conteúdo meritório se enquadrar em alguma Súmula Vinculante, esta será obrigatoriamente aplicada ao caso, podendo-se, em caso de descumprimento, apresentar reclamação perante o STF para que este determine a observância da Súmula Vinculante ao caso concreto.

Com isso, eliminam-se decisões conflitantes com o entendimento sedimentado pelo Supremo Tribunal Federal, o qual, em última instância, é o guardião da Constituição e detentor da prerrogativa de analisar em definitivo qualquer questão constitucional posta a sua apreciação. Com a aplicação das Súmulas Vinculantes aos processos em curso, facilita-se seu trânsito na medida em que não se poderá nele decidir de maneira diferente do entendimento pacificado pela Suprema Corte.

Ao lado das Súmulas Vinculantes, criou-se a figura da repercussão geral das questões constitucionais, com vistas à inclusão de mais um requisito de admissibilidade dos recursos interpostos perante o Supremo Tribunal Federal, acrescendo o parágrafo terceiro ao artigo 102:

“§ 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros”.

 

Dessa forma, restringiu-se mais ainda o âmbito de cabimento dos recursos extraordinários, uma vez que, além dos requisitos já existentes, o recorrente deve também demonstrar que a matéria que pretende submeter à apreciação da Suprema Corte reveste-se de importância para toda a sociedade, podendo o Tribunal deixar de conhecer do recurso em razão da não demonstração desta condição.

Mas as alterações introduzidas não se limitaram a prever direitos ao jurisdicionado, obrigações para o Judiciário e institutos voltados para a aceleração do tempo de tramitação processual. Mais do que isso, o legislador criou um órgão destinado, precipuamente, à proteção das prerrogativas do Poder Judiciário e fiscalização de sua atividade jurisdicional e administrativa.

O Conselho Nacional de Justiça, composto por quinze integrantes dentre magistrados, membros do Ministério Público, advogados e cidadãos, foi instituído para “o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes”.

Dentre as atribuições conferidas pelo artigo 103-B da Constituição Federal, destacam-se os seguintes:

“§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:

“I – zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistraturapodendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências;

“II – zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União;

“III – receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa;

“IV – representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a administração pública ou de abuso de autoridade;

“V – rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano;

“VI – elaborar semestralmente relatório estatístico sobre processos e sentenças prolatadas, por unidade da Federação, nos diferentes órgãos do Poder Judiciário;

“VII – elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias, sobre a situação do Poder Judiciário no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar mensagem do Presidente do Supremo Tribunal Federal a ser remetida ao Congresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão legislativa”.

 

Por fim, o legislador constitucional derivado previu a criação da justiça itinerante, bem como autorizou os Tribunais a funcionarem de maneira descentralizada, através da instituição de Câmaras Regionais, tanto na Justiça Comum Estadual quanto na Federal:

“Art. 107. (…)

“§ 2º Os Tribunais Regionais Federais instalarão a justiça itinerante, com a realização de audiências e demais funções da atividade jurisdicional, nos limites territoriais da respectiva jurisdição, servindo-se de equipamentos públicos e comunitários.

“§ 3º Os Tribunais Regionais Federais poderão funcionar descentralizadamente, constituindo Câmaras regionais, a fim de assegurar o pleno acesso do jurisdicionado à justiça em todas as fases do processo”.

 

“Art. 125. (…)

“§ 6º O Tribunal de Justiça poderá funcionar descentralizadamente, constituindo Câmaras regionais, a fim de assegurar o pleno acesso do jurisdicionado à justiça em todas as fases do processo.

“§ 7º O Tribunal de Justiça instalará a justiça itinerante, com a realização de audiências e demais funções da atividade jurisdicional, nos limites territoriais da respectiva jurisdição, servindo-se de equipamentos públicos e comunitários”.

 

Através de mobilidade de sua estrutura, com vistas ao atendimento das pessoas moradoras de comunidades em áreas de difícil acesso dentro de seus limites territoriais, buscou-se atender aos jurisdicionados mais desassistidos, conferindo-se efetividade ao princípio da razoável duração do processo.

 

 

Conceito.

As alterações promovidas na Constituição Federal pela Emenda Constitucional nº 45/2004 foram muito bem recebidas pela doutrina e pelos magistrados brasileiros. No dizer de Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino, “sabe-se que no Brasil a morosidade dos processos judiciais e a baixa efetividade de suas decisões, dentre outros males, retardam o desenvolvimen- to nacional, desestimulam investimentos, propiciam a inadimplência, geram impunidade e solapam a crença dos cidadãos no regime democrático. Diante dessa realidade, é indiscutível a importância que assume a consagração, em favor dos cidadãos, do direito de ver julgados, em prazo razoável, sem demora excessiva ou dilações indevidas, os litígios submetidos à apreciação do Poder Judiciário (e também da Administração Pública, no âmbito dos processos administrativos)”.

A respeito das críticas de que a previsão constitucional em nada adiantará para a aceleração da tramitação judicial dos feitos, Francisco Carlos Duarte entende que “de nada adianta criticar este novo direito fundamental contemplado na nossa Constituição, pois, a nosso ver, este só veio para corroborar com a tese de que a celeridade e a tempestividade da tutela jurisdicional são o alicerce de toda reforma que agora foi introduzida. A introdução do inc. LXXVIII poderá ter um mérito maior se olharmos para frente e observarmos qual será a postura do Poder legislativo para alcançar o grande objetivo que é a conclamação da justiça cada vez mais célere. Será uma tarefa do legislador, como também das autoridades administrativas e judiciárias, a empreitada de modificar as condições que não são suficientes para assegurar a razoável duração do processo”.

Mesmo porque a jurisprudência já vinha, antes mesmo da edição da Emenda Constitucional nº 45/2004, entendendo pelo direito à razoável duração processual:

“PENAL E PROCESSUAL. HOMICÍDIO SIMPLES. PRONÚNCIA. PRISÃO. RECAMBIAMENTO. JULGAMENTO. PRAZO. EXCESSO. O princípio da razoabilidade é ínsito ao devido processo legal, razão por que tem o acusado o direito de ser julgado em prazo razoável. Na espécie, é manifesto o constrangimento ilegal, já que o acusado, preso após a pronúncia, encontra-se sob custódia há três anos e meio, aguardando recambiamento para o Juízo processante. Ordem concedida, para que o paciente aguarde o julgamento em liberdade, informando o endereço onde possa ser encontrado. (HC 27.723/PE, Rel. Ministro PAULO MEDINA, SEXTA TURMA, julgado em 18/09/2003, DJ 13/10/2003, p. 451)”

 

Posteriormente, a previsão constitucional deste princípio foi definitivamente consagrada pelos Tribunais:

“DIREITO DE FAMÍLIA E SUCESSÕES. RECURSO ESPECIAL. ALIENAÇÕES FEITAS PELO CÔNJUGE VARÃO, FALECIDO, EM NOME DE SUA ESPOSA. MORTE DO VARÃO SEM DEIXAR PATRIMÔNIO. INVASÃO DA LEGÍTIMA. RECURSO PROVIDO. VOTO VENCIDO. (…) 8. O requisito do prequestionamento demanda que a matéria, como um todo, tenha sido enfrentada pelo Tribunal de origem. Eventual anulação do processo com base na ofensa ao art. 535 do CPC apenas para que o Tribunal se manifeste expressamente quanto a um tema que foi debatido em todo o processo implicaria ofensa ao princípio da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVII, da CF/88). (…). 11. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 918.643/RS, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, Rel. p/ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/04/2011, DJe 13/05/2011)”

“PROCESSO PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM HABEAS CORPUS. PRETENSÃO DE EXAME DE ADITAMENTO INOPORTUNO. OBJETIVO DE CONFERIR EFEITOS INFRINGENTES AOS ACLARATÓRIOS. EXCEPCIONALIDADE NÃO RECONHECIDA. (…). 2. O aditamento à petição de habeas corpus, a bem da principiologia do direito processual constitucional – v.g. instrumentalidade das formas, princípio da eventualidade e razoável duração do processo -, deve circunscrever-se às hipóteses de advento de fatos posteriores à impetração que justifiquem o alargamento do pedido. Na espécie, após o indeferimento da liminar, da apresentação das informações e do parecer ministerial, pretender a distensão do objeto do mandamus a fim de abarcar insurgência deduzida meses antes, em recurso especial, indica a impertinência do aditamento. Assim, não há impropriedade na decisão que julga prejudicado o habeas corpus tendo em conta apenas a pretensão contida na inicial, desconsiderando-se o teor de inadvertido pedido de aditamento. 3. Embargos de declaração rejeitados. (EDcl no HC 98.910/PR, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 17/05/2011, DJe 01/06/2011)”

 

Não obstante isso, desde o início duas questões fundamentais instalaram-se: “o que se deve entender por razoável duração do processo?” e “qual seria o intervalo de tempo que poderia ser considerado razoável em relação à peregrinação de um processo por todas as instâncias judiciais?”. Em vista disso, a expressão “razoável duração do processo” desde logo figurou como conceito jurídico indeterminado, ou seja, seu conteúdo e extensão são incertos, não sendo dotado de um sentido preciso e objetivo.

Diante dessa vagueza de significação, buscou-se refinar a idéia de razoável duração do processo, no intuito de objetivá-lo e produzir um conceito suficientemente apto a traduzir seu verdadeiro alcance.

Entretanto, não se trata de tarefa fácil, não havendo ainda uma conceituação pronta e determinada. Contudo, Carlos Henrique Ramos explica que “o núcleo do conceito da Razoável Duração do Processo é, portanto, viabilizar que as partes tenham plena capacidade de trazer seus argumentos, bem como garantir que o juiz tenha condições de analisar as provas num tempo razoável para formar sua convicção”.

O eminente professor Wambier, por sua vez, leciona que “a duração razoável do processo, assim, será aquela em que melhor se puder encontrar o meio-termo entre a definição segura da existência do direito e a realização rápida do direito cuja existência foi reconhecida pelo juiz”.

Também se deve avaliar se não é a própria parte quem dá causa à demora. Esse é o magistério de Guilherme Assis de Almeida, ao consignar que “deve-se sempre ter em mente a complexidade da causa, quantidade de réus e testemunhas, e o parâmetro da razoabilidade, assim como se há contribuição da parte para a demora processual por meio de atos processuais, tais como: (a) expedição de carta rogatória para a oitiva de testemunhas; (b) expedição de cartas precatórias para a inquirição de testemunhas; e (c) instauração de incidente de insanidade mental do paciente, dentre outros”.

Além disso, vários outros critérios deverão ser considerados para que se verifique a ocorrência de lesão a este princípio, dentre os quais se podem citar a violação ao princípio da dignidade da pessoa humana, do direito de acesso à justiça, da ampla defesa e do contraditório, dentre outros.

Porém, ressalte-se que essa fluidez da expressão possui vantagens. No dizer de Isabelle Braga Guimarães, “a abertura desse conceito significa, em última análise, a possibilidade de determiná-lo especificadamente, à medida que a utilização de fórmulas pré-concebidas, com regulamentação exaustiva implicaria em retirar-lhe o seu próprio conteúdo. Isso se justifica devido à multiplicidade de processos, ritos e partes litigantes que a realidade apresenta, não se podendo fixar anteriormente esse conceito, sob pena de o tornar inválido. O princípio fundamental à razoável duração do processo deve-se, portanto, ser adaptável a qualquer dos litígios que se encontrem sob sua égide, não sendo defeituoso o fato dele ser positivado através de cláusula geral”.

Assim, a casuística cuidará de traçar os parâmetros que delimitarão a noção de razoável duração do processo.

 

 

Modificações Infraconstitucionais.

Em decorrência das alterações perpetradas por intermédio da Emenda Constitucional nº 45/2004, o legislador infraconstitucional passou a ser destinatário da responsabilidade maior de dar cumprimento aos mandamentos acrescentados ao texto constitucional, através da elaboração de leis que introduzissem modificações no ordenamento jurídico pátrio que trouxessem efetivas mudanças no sistema processual atual, de maneira a conferir eficácia ao comando normativo insculpido na Carta Magna.

Conforme salienta Ada Pellegrini Grinover, “esses meios devem ser inquestionavelmente oferecidos pelas leis processuais, de modo que a reforma infraconstitucional fica umbilicalmente ligada à constitucional, derivando de ordem expressa da Emenda n. 45/2004. Trata-se, portanto, de fazer com que a legislação processual ofereça soluções hábeis à desburocratização e simplificação do processo, para garantia da celeridade de sua tramitação”.

Outra atribuição do legislador fundamental à implementação do princípio da razoável duração do processo diz respeito à tramitação das leis orçamentárias, momento em que se torna imperiosa a aprovação, da maneira mais ampla possível, da proposta elaborada pelo Supremo Tribunal Federal, de modo que o Poder Judiciário seja contemplado com a totalidade dos recursos dos quais necessita para ampliar sua estrutura física e de pessoal, como recuperação e modernização das instalações, implantação de sistema integrado de gestão da informação, construção de escolas de formação e aperfeiçoamento de magistrados.

Nessa contingência, foram elaboradas as Leis Federais nos 11.232/05, 11.276/06 e 11.277/06, as quais inseriram profundas alterações na sistemática do Código de Processo Civil.

Por intermédio da Lei Federal nº 11.232/05, estabeleceu-se um novo procedimento em substituição à execução de título judicial, denominado cumprimento de sentença, não mais se criando um novo processo, mas somente abrindo-se uma fase dentro do processo de cognição, destinada à satisfação da pretensão do autor deferida pela sentença.

Em relação à liquidação da sentença, de acordo com o parágrafo primeiro do artigo 475-A, introduzido pela Lei em estudo, a parte contrária não mais é citada, e sim intimada a respeito do pedido de liquidação. Em outras palavras, não mais há um novo processo, mas um mero incidente, complementar ao processo de conhecimento para tornar líquido o título judicial em menos tempo.

Além disso, o § 2º do artigo 475-A passou a possibilitar a liquidação ainda na pendência de recurso, ocasião em que se fará em autos apartados, instruídos com cópias. Ao final do procedimento de liquidação, da sua decisão não mais caberá apelação, e sim agravo de instrumento.

No tocante ao procedimento específico do cumprimento de sentença, verifica-se grande novidade voltada para a celeridade processual, pois a execução não mais carecerá de autos apartados nem de nova petição inicial. Se a sentença condenatória for líquida, ou se ilíquida for liquidada, o quantum debeatur estará resolvido. Assim, caberá ao devedor pagar a quantia fixada num prazo de 15 dias. Em caso de descumprimento desse pagamento, ser-lhe-á aplicada automaticamente uma multa de 10%, reversível ao credor. Se efetuado o pagamento parcial no prazo previsto no caput do art. 475-J, a multa incidirá sobre o restante inadimplido.

Outra inovação importante foi instituição da coisa julgada inconstitucional, por intermédio da qual se considera inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo que forem declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal.

Ademais, em relação ao excesso de execução, quando o executado alegar que o exeqüente pleiteou quantia superior à resultante da sentença, deverá imediatamente apontar o valor que entende correto, sob pena de rejeição liminar dessa impugnação. Esta alteração mostrou-se deveras importante, haja vista que os embargantes costumeiramente lançavam mão deste argumento, sem, contudo, dar provas ou quaisquer indícios do ocorrido, causando manifesto atraso ao processo.

Quanto aos efeitos, a Impugnação, ao contrário do que acontecia com os Embargos à Execução, não terá efeito suspensivo. Entretanto, o juiz poderá atribuir tal efeito, desde que relevantes seus fundamentos e o prosseguimento da execução seja manifestamente suscetível de causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação. A decisão que resolver a Impugnação será recorrível mediante agravo de instrumento, por constituir procedimento mais célere, salvo quando importar extinção da execução, caso em que caberá apelação.

Ressalte-se ainda que se extinguiu a obsoleta prática de aguardar o julgamento definitivo dos embargos para somente a partir de então se permitir os atos expropriatórios definitivos. Com as alterações legislativas, o exeqüente, assumindo a responsabilidade pelos riscos decorrentes, está autorizado a promover a execução provisória, podendo até mesmo realizar atos expropriatórios, condicionado à prestação de caução.

A Lei Federal nº 11.276/2006, por sua vez, formalizou o entendimento já sedimentado pela jurisprudência e doutrina de que os atos pelos quais o juiz dá simples andamento ao processo, chamados de despacho, sem conteúdo decisório, não são passíveis de recurso.

Outra inovação diz respeito à possibilidade da denominada supressão de instância, ou seja, caso haja qualquer nulidade processual passível de saneamento, o Tribunal determinará a realização ou a renovação do ato, mesmo no caso de não realização deste pelo Juízo de primeira instância.

Mas a alteração de maior relevo desta Lei diz respeito ao juízo de admissibilidade da apelação. De acordo com o parágrafo primeiro introduzido no artigo 518 do Código de Processo Civil, “o juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do STJ ou do STF”. O parágrafo segundo estabelece que “apresentada a resposta, é facultado ao juiz, em 5 dias, o reexame dos pressupostos de admissibilidade do recurso”.

Com esta modificação, a prerrogativa, já prevista para o relator de recursos, foi estendida ao juiz de primeiro grau, podendo este negar seguimento ao recurso se a sentença se encontrar em obediência a alguma Súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal.

Já a Lei Federal nº 11.277/2006 trouxe a figura do julgamento liminar ao acrescentar o artigo 285-A ao Código de Processo Civil, estabelecendo que, “quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada”, ou seja, tratando a petição inicial de questões unicamente de direito, já tendo o juiz julgado matéria idêntica, ele poderá julgar improcedente o pedido de ofício, abrindo-se ao autor a possibilidade de ofertar apelação e, se este o fizer, somente neste momento será citado o réu, já para apresentar contrarrazões ao recurso.

Importantes inovações nesse sentido foram trazidas pela Lei Federal nº 11.419/2006, que regulamentou a informatização do processo judicial. A respeito desta norma, o professor Alexandre de Moraes leciona que “no contexto da Reforma do Judiciário e buscando efetivar a celeridade processual, a Lei n° 11.419, de 19 de dezembro de 2006, regulamenta a informatização do processo judicial (autos virtuais), estabelecendo a possibilidade de utilização do meio eletrônico na tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças processuais, indistintamente, aos processos civil, penal e trabalhista, bem como aos juizados especiais, em qualquer grau de jurisdição”.

Em seguida, a Lei Federal nº 11.672/2008 veio regulamentar o procedimento referente ao julgamento de recursos repetitivos, que também constituiu importante marco normativo no sentido de fazer com que os processos atinjam seu fim de maneira mais célere, ao introduzir o artigo 543-C ao Código de Processo Civil, estatuindo em seus parágrafos a forma de processamento de recursos idênticos em seus fundamentos e questão de direito.

Pode-se citar, ainda, a Lei Federal nº 12.322/2010, que transformou o agravo de instrumento interposto contra decisão que não admite recurso extraordinário ou especial em agravo nos próprios autos, para que não haja necessidade de formação do instrumento, de maneira que o provimento do agravo resulte em apreciação incontinenti do mérito da questão principal, tornando mais célere o processo.

Por fim, a Lei Federal nº 11.441/2007 estabeleceu os procedimentos relativos à realização de inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual por via administrativa, mediante escritura pública registrada em cartório. Com a edição desta Lei, permitiu-se a diminuição do volume de processos judiciais, bem como se tornou bem mais célere a tramitação dos processos acima citados, significando ganhos para o Poder Judiciário, que deixa de processar e julgar estes casos, e para os interessados, que obtêm a solução de suas pretensões mais rapidamente.

 

Modificações Administrativas e seus Resultados.

Em vista das modificações legislativas operadas no ordenamento jurídico pátrio, mais especificamente no âmbito do Código de Processo Civil, pode-se dizer que o Poder Legislativo procedeu de maneira elogiável em seu mister.

Em decorrência disso, as leis promulgadas chegaram à fase de aplicação, onde a responsabilidade passaria a ser do Poder Judiciário.

O Conselho Nacional de Justiça, cuja previsão na Emenda Constitucional nº 45/2004 consistia na principal ação a partir do Judiciário, foi instalado em 14 de junho de 2005, com as seguintes diretrizes: planejamento estratégico e proposição de políticas judiciárias; modernização tecnológica do Judiciário; ampliação do acesso à justiça, pacificação e responsabilidade social; e garantia de efetivo respeito às liberdades públicas e execuções penais.

O CNJ, então, estabeleceu um sistema de metas de produtividade para todos os juízos, Tribunais e setores administrativos do Poder Judiciário, visando acelerar a tramitação dos processos e aprimorar a qualidade do serviço prestado aos jurisdicionados.

Passados seis anos, algumas mudanças podem ser verificadas na eficiência dos Tribunais, tomando-se por base as estatísticas referentes aos anos de 2004 a 2008 publicadas pelo próprio Conselho Nacional de Justiça.

Na Justiça Estadual, verificou-se que, em 2004, cada juiz prolatava em média 859 sentenças por ano. Em 2008, cada juiz sentenciou 1076 processos em média.

Já na Justiça Federal, verificou-se o inverso: em 2004, a média era de 625 processos sentenciados por juiz, tendo este número reduzido para 474 sentenças por juiz em 2008.

Nos juizados especiais, observou-se que em 2004, cada juiz sentenciou, em média, 3643 vezes na Justiça Estadual e 8003 na Justiça Federal. Este número aumentou para 4495 na Justiça Estadual e caiu para 4804 na Justiça Federal em 2008.

Em segunda instância, no entanto, ambos apresentaram sensíveis melhoras, na Justiça Estadual as decisões passaram de 675 para 1174 e na Justiça Federal de 2611 para 3479.

Entretanto, o aparente mau desempenho não significa efetivamente que a Justiça Federal esteja em dissonância com a proposta do Conselho Nacional de Justiça, uma vez que devem ser levados em consideração outros fatores, como, por exemplo, as características de cada Vara, a experiência do juiz em atuação, o número de servidores em cada Vara e a complexidade das questões apresentadas.

Estes números indicam que, em sua maior parte, os magistrados estão logrando êxito em propiciar uma resposta processual mais célere à população.

Com relação à quantidade de recursos apresentados, tem-se que, na Justiça Estadual, em 28% dos casos onde houve recurso para a segunda instância recorreu-se para as instâncias superiores em 2004. Este percentual baixou para 24% em 2008. Na Justiça Federal, eram 29% dos processos em 2004, tendo essa proporção subido para 39% em 2008.

Em números absolutos, porém, número de processos remetidos à segunda instância na Justiça Federal subiu 16%, enquanto o número de recursos postos à apreciação de instância superior subiu 7%, ou seja, houve diminuição proporcional entre os casos que entraram nos Tribunais Regionais Federais e os casos remetidos por eles aos Tribunais Superiores.

No Supremo Tribunal Federal, o número de processos distribuídos vem caindo anualmente, em 2006 foram 127.535, passando a 119.324 em 2007, 100.781 em 2008, 84.369 em 2009 e, finalmente, 71.670 em 2010.

 

Conclusão.

Sabe-se que a mera previsão do princípio da razoável duração do processo no texto constitucional, por si só, não tem o condão de resolver os problemas de demora na prestação jurisdicional. Tal mudança requer algo muito mais extenso e que implique na conjugação de esforços por parte de todos os entes envolvidos na rotina processual, desde os legisladores até o jurisdicionado, passando por magistrados e servidores dos tribunais. É necessário empenho da sociedade na consecução desta árdua tarefa.

Tendo isso em mente, verificou-se que os primeiros passos que foram dados estão no caminho certo, implementando mudanças físicas, legislativas e de conscientização nos componentes dessa cadeia, mas ainda se está bastante aquém do ideal.

Em entrevista à revista Veja, o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa foi enfático ao afirmar que “os processos demoram muito porque as leis são muito intrincadas, malfeitas. As leis não foram pensadas para dar solução rápida aos litígios. É um problema cultural, de falta de sentido prático para resolver as coisas. Deveríamos nos espelhar um pouco na Justiça americana, na rapidez com que ela resolve a maioria dos casos. Se um sistema judiciário não dá resposta rápida às demandas de natureza econômica, de natureza criminal, ele produz evidentemente uma descrença, um desânimo, que atingem a sociedade como um todo, inibindo investidores e empreendedores”.

Mais adiante, o Ministro fala acerca do excesso de instâncias, entendendo que “é absurdo um sistema judiciário que conta com quatro graus de jurisdição! Deveriam ser apenas duas instâncias, como é no mundo inteiro. Essas instâncias favorecem o excesso de recursos. Faz sentido em um país do tamanho do Brasil ter um sistema judicial em que tanto a Justiça Federal quanto a Justiça dos Estados tenham como órgãos de cúpula das suas decisões duas cortes situadas na capital federal, uma com onze ministros e outra com 33? Bastaria uma. Em vez de termos duas cortes superiores para a Justiça comum, o Supremo e o Superior Tribunal de Justiça, em Brasília, poderíamos ter pequenas cortes, de no máximo sete juízes, em cada Estado. Uma estrutura mínima que pulverizaria o trabalho do Superior Tribunal de Justiça. Só viriam para o Supremo os processos que tratassem de questões verdadeiramente constitucionais. Essa seria a maneira correta de o sistema funcionar”.

E, ao final, arremata: “O Brasil precisa urgentemente de um sistema judicial que dê respostas rápidas às demandas do cidadão por Justiça. Repito: não há como obter essas respostas rápidas com um sistema judicial com quatro graus de jurisdição. Isso é patético! Eu desafio qualquer um a me apontar uma única democracia minimamente funcional em que sejam necessárias quatro instâncias, que permitem dezenas de recursos, para que as decisões dos juízes, por mais singelas que sejam, tenham efetividade”.

Assim, torna-se forçoso concluir que o caminho para a definitiva mudança no status quo passa por uma profunda reforma no ordenamento jurídico pátrio, mais especificamente na Constituição Federal e nos códigos processuais, para reduzir o número de instâncias e o de recursos.

Esse é o entendimento de Dirley da Cunha Júnior ao advertir que “nesse passo, a reforma constitucional consigna a necessidade de aperfeiçoamento e racionalidade da tutela jurisdicional, o que exigirá, certamente, a reconstrução do arcabouço normativo infraconstitucional, exigindo do legislador ordinário a sua implementação, com a eliminação de expedientes não raro procrastinatórios do resultado final, útil e prático da prestação jurisdicional”.

Além disso, é necessária uma mudança de ordem cultural no modo de agir jurídico, dando mais poderes aos juízes de primeiro e segundo graus, e deixando as instâncias superiores para a análise de questões de maior relevância.

Há que se salientar, ainda, que, embora em muito se refira ao processo civil, é no processo penal que a demora processual se faz mais atroz, uma vez que, tolhido o direito à liberdade, o intenso sofrimento causado ao indivíduo apresenta-se, inclusive, passível de indenização judicial.

Tratando do tema, Guilherme Assis de Almeida assevera que, “ao examinar a duração prolongada de prisão cautelar, o STF considerou que a mesma configura afronta a princípios constitucionais, especialmente, o da dignidade da pessoa humana, devido processo legal, presunção de inocência e razoável duração do processo. A demora na instrução e julgamento de ação penal, desde que gritante, abusiva e irrazoável, caracteriza o excesso de prazo. Manter uma pessoa presa cautelarmente por mais de dois anos é desproporcional e inaceitável, constituindo inadmissível antecipação executória da sanção penal”.

O Tribunal de Justiça do Acre, em decisão exemplar, condenou o Estado do Acre a indenizar o jurisdicionado, nesses termos:

“CONSTITUCIONAL, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E PATRIMONIAIS. AÇÃO DE JUSTIFICAÇÃO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL. DEMORA NA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. DESÍDIA. PREJUÍZO DA PARTE AUTORA. DANO CONFIGURADO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. Em homenagem ao princípio da duração razoável do processo, insculpido no art. 5º, inciso LXXVIII, da Carta Magna, havendo demora injustificada na prestação jurisdicional, causando prejuízo ao jurisdicionado, deve o Estado indenizar o dano eventualmente sofrido pela parte”. (Apelação Cível n. 2009.003074–9, Relator: Desembargadora Miracele Lopes)

 

Ademais, afigura-se importante lembrar que a celeridade processual deve ser observada com equilíbrio, uma vez que se está diante de um sistema jurídico onde há outros princípios de igual relevância que necessitam respeito, como o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.

Somente dessa forma se poderá atingir o fim último do Direito que é a Justiça, a qual pode se transformar em injustiça se for tardia. No dizer do irreparável Rui Barbosa, “Justiça atrasada não é Justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito escrito das partes, e, assim, as lesa no patrimônio, honra e liberdade. Os juízes tardinheiros são culpados, que a lassidão comum vai tolerando. Mas sua culpa tresdobra com a terrível agravante de que o lesado não tem meio de reagir contra o delinqüente poderoso, em cujas mãos jaz a sorte do litígio pendente”.



[1] Sem contar com os Juizados Especiais.

[2] Justiça em Números 2004, disponível na internet via URL http://www.cnj.jus.br/images/programas/justica-em-numeros/justica_numeros_2004.pdf, acessado em 05/05/2011.

[3] Artigo 8

Garantias Judiciais

1 – Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

2 – Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, ás seguintes garantias mínimas:

a) direito do acusado de ser assistido gratuitamente por tradutor ou intérprete, se não compreender ou não falar o idioma do juízo ou tribunal;

b) comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada;

c) concessão ao acusado do tempo e dos meios adequados para a preparação de sua defesa;

d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor;

e) direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei;

f) direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos.

g) direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada; e

h) direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior.

3 – A confissão do acusado só é válida se feita sem coação de nenhuma natureza.

4 – O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos.

5 – O processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para preservar os interesses da justiça.

PAULO, Vicente e ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. Editora Método, São Paulo: 2008, p. 188.

DUARTE, Francisco Carlos e GRANDINETTI, Adriana Monclaro. Comentários à Emenda Constitucional 45/2004. Juruá, Curitiba: 2005, p. 55.

RAMOS, Carlos Henrique. Processo Civil e o Princípio da Razoável Duração do Processo. Curitiba: Juruá Editora, 2008.

WAMBIER, Luiz Rodrigues e Teresa Arruda Alvim, MEDINA, José Miguel Garcia. Breves comentários à nova sistemática processual civil. 3 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2005.

 ALMEIDA, Guilherme Assis de e APOLINÁRIO, Sílvia Menicucci. Direitos Humanos. Atlas, São Paulo: 2009, p. 117.

GUIMARÃES, Isabelle Braga. Direito fundamental ao processo penal no prazo razoável. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2794, 24 fev. 2011. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/18565>. Acesso em: 11 jun. 2011.

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 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 98.

 www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=movimentoProcessual.

 BARBOSA, Joaquim. Título do artigo. Revista Veja, edição nº 2221, p. 12-13, junho/2011.

 CUNHA JÚNIOR, Dirley da. e RÁTIS, Carlos. Comentários à Reforma do Poder Judiciário. JusPodivm, Salvador: 2005, p. 9.

ALMEIDA, Guilherme Assis de e APOLINÁRIO, Sílvia Menicucci. Direitos Humanos

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