Lucia Jales – Advogada em Natal

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ESTUDO SOBRE A CONTROVÉRSIA ENTRE ARGENTINA E URUGUAI COM RELAÇÃO À PROIBIÇÃO DA IMPORTAÇÃO DE PNEUS REMOLDADOS

RESUMO

A conservação do meio ambiente vem tornando-se um assunto cada vez mais presente entre os países. A água, o solo e o ar encontram-se cada vez mais poluídos em razão da busca desmedida do homem pelo progresso e o desenvolvimento. A falta de educação, a má utilização e o descarte indevido de produtos nocivos ao meio ambiente trazem mais e mais danos à natureza e consequentemente ao homem. Neste trabalho faremos um estudo baseado no laudo arbitral do Tribunal Arbitral do MERCOSUL, o qual analisa a controvérsia entre a República Oriental do Uruguai e a República da Argentina no que diz respeito à proibição imposta pela Argentina à importação de pneus remoldados para todo o seu território. Assim sendo, com base no citado laudo, analisaremos os pontos positivos e negativos desta decisão, a legislação aplicada, bem como as consequências no cenário internacional.

 

PALAVRAS-CHAVE:

Direito Ambiental – Importação – Proibição – Pneus remoldados.

 

ABSTRACT

The conservation of the environment has become a subject increasingly present among countries. The water, soil and air are becoming more polluted due to the unbridled pursuit of man by progress and development. Lack of education, misuse and improper disposal of products harmful to the environment bring more and more damage to nature and consequently to man. In this work we study based on the arbitration award of the Arbitral Tribunal MERCOSUR, which examines the controversy between the Eastern Republic of Uruguay and the Argentine Republic with regard to the prohibition imposed by Argentina on imports of retreaded tires to all of its territory. Therefore, based on the aforementioned report, we analyze the pros and cons of this decision, the legislation, as well as the consequences on the international scene.

KEYWORDS:

Environmental Law – Import – Prohibition – Tyres remoulded

 

I – INTRODUÇÃO

No presente trabalho faremos um estudo sobre a controvérsia entre Argentina e Uruguai, na qual se discute a legalidade da lei n° 25.626/2002 que proíbe todo o território argentino de importar pneus remoldados. Com isso, a Argentina passou a interromper o comércio internacional desses produtos, atingindo as importações de pneus remoldados que se desenvolveram com o Uruguai desde o ano de 1997.

Diante disso, analisaremos a decisão do Tribunal Arbitral que julgou a Lei nº 25.626/2002 compatível com o Tratado de Assunção e seu Anexo I, com as normas derivadas do referido Tratado, bem como o disposto nas regras de Direito Internacional aplicáveis ao assunto.

 

II – DA CONTROVÉRSIA ENTRE ARGENTINA E URUGUAI

Em 2002 a Argentina institui a Lei n° 25.626, a qual impõe a proibição a todo o território argentino de realizar importação de pneus remoldados. Com a edição desta lei, a Argentina então passou a interromper o comércio internacional destes produtos.

Diante disso, o Uruguai, que exporta esses produtos para a Argentina desde 1997, sentindo-se prejudicado com a adoção da citada lei, expôs às autoridades do Mercosul o seu intuito de requerer o procedimento de solução de controvérsias. Com isso, o Uruguai requereu uma tentativa de negociação prévia entre as partes, não obtendo êxito. Em razão da negativa de acordo, o procedimento iniciou-se ante o Tribunal Arbitral.

O Uruguai requereu, então, que fosse declarada a incompatibilidade da Lei n° 25.626 com a normatização que rege os países do Mercosul e com o Direito Internacional, para que fosse determinada a revogação da lei em questão pela Argentina, anulando todas as medidas semelhantes e impedindo a futura adoção de outras medidas que possuam efeitos iguais aos discutidos no litígio em questão – afirma o laudo arbitral. Dentre outros argumentos, o Uruguai dispunha que os pneus remoldados não tornam a segurança do trânsito comprometida ou prejudicam o meio ambiente, diferentemente dos pneus novos.

A Argentina contesta, afirmando, segundo o laudo, que “a Lei nº 25.626, caracterizada como uma proibição de caráter não-econômico, está amparada nas hipóteses elencadas pelo artigo 50 do Tratado de Montevidéu, recepcionado pelo Anexo I do Tratado de Assunção”. De acordo com o laudo arbitral, “a Argentina alega que a lei em discussão é uma medida de caráter preventivo, destinada a evitar o dano potencial que os pneus remoldados, enquanto resíduos perigosos por sua difícil e onerosa disposição final, possam causar ao meio ambiente, à saúde das pessoas, animais e vegetais, comprometendo o desenvolvimento das gerações presentes e futuras”.

Ao então Tribunal Arbitral, responsável pela resolução da presente questão, restou decidir se a Argentina infringiu a legislação que norteia as relações entres os Estados que compõem o Mercosul ao adotar a proibição.

 

II – DA DECISÃO DO TRIBUNAL ARBITRAL

Em sua decisão, o Tribunal Arbitral reconhece que a Lei n° 25.626, causou interrupção no comércio internacional de pneus remoldados, especificamente no caso dos produtos importados do Uruguai. No entanto, no laudo arbitral, o Tribunal afirma que “a liberdade de comércio e sua preservação como forma de estruturar o Mercosul não pode ser considerada princípio absoluto e inderrogável, um verdadeiro deus ex machina surgido para solucionar todos os problemas das relações comerciais e imune a qualquer exceção”.

No texto do referido laudo, o Tribunal afirma, ainda, que os resíduos advindos dos pneus são de difícil disposição, possuem um tempo longo de deterioração, além de possuírem elementos químicos em sua composição que podem causar sérios riscos aos seres humanos e ao meio ambiente como um todo, ocorrendo ainda o risco de contaminação do subsolo quando depositados em aterros sanitários.

O Tribunal dispõe, na fundamentação do laudo, que a importação de pneus remoldados gera o aumento do passivo ambiental para o país importador.

Afirma o laudo arbitral, em seu texto conclusivo, que a proteção ao meio ambiente é um princípio básico para o Mercosul “O Preâmbulo do Tratado de Assunção e a aplicação do artigo 2º, letra b do Anexo I do Tratado, que incorpora o artigo 50 do Tratado de Montevidéu de 1980, são provas inequívocas de que o Mercosul nasceu e deve desenvolver-se  protegendo a vida e a saúde das pessoas, dos animais e dos vegetais. Não haveria razão para o exercício do livre comércio e o consequente desenvolvimento econômico e social dos povos dos países do Mercosul, se estes povos fossem condenados a viver em condições ambientais comprometidas pela ação agressiva do homem”.

O Tribunal afirma concordar que a proteção ao meio ambiente pode ser usada como exceção às regras que regulam as relações entre os países do Mercosul, desde que os motivos para que se faça essa exceção estejam baseados em justas razões.

Segundo o laudo, o pneu remoldado não é em si mesmo um produto que possa causar dano imediato ao meio ambiente. No entanto, esse mesmo produto reconstruído, com estrutura originária de outras regiões do mundo, terá uma vida útil substancialmente menor que a de um pneu novo. Vale dizer que será transformado em lixo mais rapidamente e fará com que o Estado receptor acumule precocemente resíduos danosos ao meio ambiente para os quais a ciência e a tecnologia não encontraram solução satisfatória – conclui a fundamentação do Tribunal. Assim, o Tribunal conclui que “no presente caso, sendo inquestionável o dano causado pelos resíduos dos pneus inservíveis ao meio ambiente e sendo imune a dúvidas que o ingresso em determinado país de pneus remoldados aumenta seu passivo ambiental, quando se compara tal aumento com o que seria causado por pneus novos, a Argentina teve justa razão para aprovar a Lei n° 25.626 de 2002 e, por meio dela, impedir o ingresso no país de pneus usados, recauchutados ou remoldados”.

As informações prestadas pela Argentina e Uruguai, no que diz respeito ao fluxo comercial de pneus remoldados entre estes países, no período entre os anos de 1997 e 2001, permitiram ao Tribunal concluir que o comércio do referido produto não ocorreu de forma permanente e estável, não havendo maior impacto econômico, com exceção do ano de 2001.

O Tribunal verificou ainda que, mesmo depois da entrada em vigor da lei n° 25.626, houve um grande aumento de exportações uruguaias de pneus remoldados para outros destinos. Diante disso, o Tribunal conclui no laudo que “não se pode afirmar que a indústria uruguaia de pneus reconstruídos, como um todo, tenha sofrido impacto negativo depois da proibição de importações pela Argentina”.

Quanto à alegação do Uruguai de que a lei em questão é uma restrição de caráter não-econômico ao livre comércio, o Tribunal afirma que “é aplicado ao caso os preceitos relacionados aos princípios da precaução e prevenção, que permitem a utilização de medidas restritivas de caráter não-econômico ao comércio internacional e relativamente a determinado produto, mesmo cortando um fluxo comercial anterior permanente e substancial”.

Por fim, o Tribunal dispõe sobre dois aspectos abordados pelo Uruguai. O Uruguai alegou que a Argentina estava agindo de forma discriminatória, dispondo que, depois da entrada em vigor da Lei nº 25.626, ocorreram importações de pneus remoldados de outras origens. A referida alegação foi contestada pela Argentina, a qual admitiu a realização de importações temporárias de pequenas quantidades dos referidos produtos apenas para a realização de experimentos. Quanto às alegações sobre a existência de várias fábricas argentinas voltadas para a fabricação de pneus, o Tribunal afirma que o argumento não influi na decisão, uma vez que os pneus remoldados com carcaças retiradas do próprio país reduzem o passivo ambiental.

 

II. 1 – A Controvérsia entre Uruguai e Brasil

O Uruguai usou como fundamentação para sua reclamação o caso da controvérsia entre o mesmo e o Brasil, semelhante ao caso aqui estudado, na qual a República Oriental do Uruguai pretendia anular o efeito da norma brasileira que também impedia a importação de pneus remoldados pelo Brasil.

Como na controvérsia aqui discutida, o Uruguai alegou naquela ocasião a prioridade de aplicação das normas do Mercosul como garantia do livre comércio, a atitude do Brasil em proibir a importação, uma vez que antes a mesma era permitida e a aplicação do “princípio do estoppel”- quando uma parte se compromete a adotar um comportamento, ela pode ser impedida de adotar um comportamento diferente daquele que ficou acordado.

Naquela oportunidade, a decisão do Tribunal foi favorável ao Uruguai, determinando que fosse feita uma revisão na legislação brasileira de modo que o Brasil voltasse a admitir a importação de pneus remoldados. No caso entre Uruguai e Brasil, o Tribunal se preocupou apenas em verificar se o comportamento do Brasil implicava em violação ao princípio do livre comércio, em analisar se o fluxo comercial do produto existia e se o mesmo era significante e em comprovar se o Brasil havia interrompido a prática comercial de forma injustificada.

Naquele caso, o Tribunal não se preocupou em verificar as exceções ao princípio da livre concorrência baseadas na proteção da vida, da saúde das pessoas, dos animais e vegetais. Também não foram abordados os princípios de direito internacional nem tampouco os que regem as relações entre os países do Mercosul, que poderiam autorizar uma exceção as normas comerciais e econômicas em nome de um ambiente mais saudável para a região.

No entanto, apesar do Uruguai ter colacionado à presente reclamação a referida jurisprudência, o Tribunal considerou que o fundamento proposto não era aplicável a este caso, pois, na controvérsia entre Argentina e Uruguai, aqui analisada, diferentemente da controvérsia entre Brasil e Uruguai, as partes, principalmente a Argentina, apresentaram provas e argumentos voltados diretamente para o Direito Ambiental. O Tribunal alegou que, no caso entre Argentina e Uruguai, “não pode ignorar a importância e o impacto dos argumentos de natureza ambiental”. Alegou que “não só não ignorou a relevância de tais aspectos jurídicos como os considerou suficientes para temperar e relativizar o princípio da livre circulação de bens e serviços, admitindo-se como exceção justificada a sua plena aplicação”.

 

II. 2 – Dos princípios da Integração do mercosul

No citado laudo o Tribunal Arbitral afirma que todos os países membros do Mercosul reconhecem os princípios da integração, sendo os mesmos ratificados em vários momentos da presente controvérsia tanto pelo Uruguai quanto pela Argentina, sendo utilizados para dirimir a presente questão.

Segundo o laudo, a sistemática jurídica da integração, baseada no comércio sem restrições, “igualmente convive com os princípios da proporcionalidade, da limitação de reserva de soberania, da razoabilidade e da previsibilidade comercial”.

De acordo com o laudo, “a busca pela integração e a consagração do seu fundamento no livre comércio só podem ter sentido como instrumentos de implementação do bem estar dos seres humanos que vivem na região”. “O livre comércio não pode gozar de prioridade absoluta, posto que é instrumento de bem estar humano, não um fim em si mesmo” – conclui o laudo.

Neste sentido, o laudo cita outros princípios nos quais um mercado livre de barreiras deve se basear, como o princípio da eficiência, da cooperação entre os povos, da preservação do meio ambiente, da prevenção e da precaução, entre outros.

O princípio da eficiência, aduz o laudo,” impõe uma distribuição racional dos recursos e se propõe a garantir que os custos envolvidos no processo de integração efetivamente sirvam para incrementar um regime de comércio desenvolvido e competente”.

Quanto ao princípio da cooperação internacional, este “exige que os regimes comerciais em desenvolvimento promovam vínculos além das fronteiras, buscando o aperfeiçoamento dos sistemas internacionais de cooperação” – expõe o Laudo.

O princípio da integridade ambiental, afirma o Tribunal, “consagra que a falta de certeza científica não pode ser utilizada como motivo ou justificativa para postergar a adoção de medidas e programas tendentes a evitar possíveis ou potenciais danos ao meio ambiente”.

O laudo arbitral define o princípio da precaução como sendo aquele que “determina que o poder público utilize critérios científicos objetivos que conduzam ao equilíbrio entre a tomada de decisões para resultados a longo prazo e a satisfação de necessidades de curto prazo”. No entanto, o citado laudo dispõe que “é certo, entretanto, que o conhecimento científico sobre determinados ecossistemas e as consequências da ação do homem sobre a natureza são, todavia, incipientes e precários”. Sabe-se que a ciência “nem sempre é capaz de oferecer as provas necessárias para comparar, com certeza, os efeitos potenciais ou futuros que determinada atividade humana pode causar ao meio ambiente” – conclui o Tribunal.

Diante disso, o Tribunal dispõe que o referido princípio “determina que o objetivo de proteção ao meio ambiente não pode ser prejudicado por falta de certeza científica. A fragilidade e vulnerabilidade da natureza são realidades incontestáveis e os limites humanos da ciência não podem servir de justificativa para postergar a proteção ao meio ambiente”.

Por fim, o princípio da prevenção é definido pelo Tribunal como o princípio que consiste na autorização para a adoção de medidas propostas com a finalidade de prevenir potenciais riscos.

 

III – Do Direito ambiental no mercosul

Após uma exposição de todos os fatos e fundamentos que embasaram a decisão do Tribunal Arbitral, faz-se oportuno mencionar a construção das normas de Direito Ambiental no Mercosul.

Visando o desenvolvimento econômico e o fortalecimento das relações entre os países, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai firmaram, em 26 de março 1991, o Tratado de Assunção, dando início ao Mercado Comum do Sul – Mercosul.

O Tratado de Assunção apresenta em seu preâmbulo o objetivo de aumentar o mercado dos países membros se preocupando, entre outras coisas, com a preservação ambiental, assim dispondo:

A República Argentina, a República Federativa do Brasil, a República do Paraguai e a República Oriental do Uruguai, doravante denominados “Estados Partes”;Considerando que a ampliação das atuais dimensões de seus mercados nacionais, através da integração, constitui condição fundamental para acelerar seus processos de desenvolvimento econômico com justiça social;Entendendo que esse objetivo deve ser alcançado mediante o aproveitamento mais eficaz dos recursos disponíveis, a preservação do meio ambiente, o melhoramento das interconexões físicas, a coordenação de políticas macroeconômicas e a complementação dos diferentes setores da economia, com base nos princípios de gradualidade, flexibilidade e equilíbrio;

 

No Mercosul, a preocupação com o meio ambiente ganhou força com a realização em 1992 da ECO 92, no Rio de Janeiro, onde os países do Cone Sul do continente americano se reuniram com o objetivo de estudar alternativas para solucionar os danos causados pelo homem ao meio ambiente. Nesse encontro, Brasil, Paraguai, Uruguai, Argentina e Chile firmaram a Declaração de Canela, através da qual as questões relacionadas à proteção ao meio ambiente foram definitivamente agregadas ao Mercosul. A Declaração de Canela estabelece que “as transações comerciais devem incluir os custos ambientais causados nas etapas produtivas sem transferi-los às gerações futuras”.

Em 1992, os países do Mercosul se reuniram em Lãs Leñas para a II Reunião de Presidentes do Mercosul onde foi criada a Reunião Especializada em Meio Ambiente – REMA, com o objetivo de avaliar as normas ambientais em vigor nos países membros do Mercosul e traçar um plano de defesa do meio ambiente.

A Reunião Especializada em Meio Ambiente – REMA teve 5 encontros, dentre os quais, o terceiro foi marcado por traçar as Diretrizes Básicas em Matéria de Política Ambiental. Essas Diretrizes, segundo artigo publicado por Antônio de Jesus da Rocha Freitas Júnior, Doutor em Direito pela Universidade de Valencia (Espanha) e membro da Asociatión Derecho Ambiental Español, “ressaltam a necessidade de harmonizar sem igualar, isto é, harmonizar a legislação ambiental dos Estados-Membros sem igualar, considerando as peculiaridades de cada caso, ademais da promoção da adoção de normas que garantam as condições equânimes de competitividade”. (http://jus.com.br/revista/texto/4448/consideracoes-acerca-do-direito-ambiental-do-mercosul)

Após isso, em 1994, ocorreu a aprovação do Protocolo de Ouro Preto, através do qual foi firmado o quadro institucional do Mercosul. Na sequência, em junho de 1995, a aprovação da Declaração de Taranco, na Primeira Reunião de Ministros do Mercosul, fez com que a Reunião Especializada em Meio Ambiente – REMA se transforma-se em Subgrupo de Trabalho do Grupo de Mercado Comum, criando-se o Subgrupo de Trabalho nº 6 para tratar de assuntos específicos sobre meio ambiente, uma vez que, até o citado momento, não existia um Subgrupo destinado exclusivamente para essa matéria.

Diante disso, o Subgrupo de Trabalho nº 6, através da Recomendação nº 4/97, constituiu o Acordo Marco sobre o Meio Ambiente do Mercosul, por meio do qual o respeito aos princípios da Declaração da Rio 92 é ratificado pelos países membros, objetivando a sustentabilidade e a proteção ao meio ambiente.

No entanto, Antônio de Jesus da Rocha Freitas Júnior, em seu citado artigo, afirma que “as normas do Mercosul não são de aplicação direta nos Estados Membros, pois necessitam ser incorporadas aos respectivos ordenamentos jurídicos nacionais. De maneira que estas normas não são obrigatórias para os habitantes, senão para os Estados, que devem aplicar essa obrigatoriedade a seus cidadãos, através da incorporação destas a seus respectivos ordenamentos jurídicos”.

 

 

IV – Da polêmica sobre a importação de pneus remoldados

A polêmica sobre a importação de pneus usados ou remoldados é antiga. Opiniões divergentes fazem com que este assunto esteja sempre em discussão perante as autoridades mundiais.

Partindo da mesma corrente que foi usada no laudo arbitral, muitos são contrários à importação de pneus reformados alegando que esta gera para o país que importa um aumento do problema sobre a disposição dos resíduos, em razão da vida útil do pneu ser reduzida. O tempo de vida útil de um pneu remoldado seria significativamente menor que a do pneu novo e, além disso, o pneu remoldado não pode passar por outra reforma, de modo que a quantidade de pneus a ser destinada ao lixo aumentará com muito mais rapidez, o que termina por não trazer vantagem ambiental alguma ao país importador.

Os que são contra a importação de pneus remoldados defendem que, se for para haver importação de pneus, que seja de pneus novos, que possam ser reformados para assim serem utilizados mais uma vez, de forma a não colaborar para o aumento do passivo ambiental de forma tão rápida como ocorre com os pneus remoldados.

Para que o reaproveitamento de pneus atenda ao seu papel ambiental, afirmam os contrários à importação, os pneus usados deveriam ser coletados no próprio país que irá reformar. Realizar a reforma utilizando carcaças de outros países gera benefício apenas para o país exportador que se verá livre de resíduos indesejáveis.

Permitir a importação de pneus remoldados causaria um problema ainda maior no que diz respeito à destinação dos resíduos desses pneus que virão de outros países, o que exigirá um gasto com estudo e implantação de técnicas para dar conta do aumento desses resíduos. Essas técnicas também podem causar prejuízos irreparáveis ao meio ambiente, pois algumas emitem gases tóxicos e geram substâncias que devem ter tratamento especial.

No caso da controvérsia em estudo, os pneus remoldados que o Uruguai importa são reformados com carcaças advindas de países desenvolvidos; estes vêm em países como Brasil, Argentina e Uruguai, verdadeiros depósitos para disposição dos resíduos sólidos.

Alguns produtores de pneus reformados alegam que as carcaças vindas dos EUA e de países do continente europeu possuem uma qualidade melhor para o reaproveitamento em razão das melhores condições das estradas e do fato dos usuários trocarem o jogo de pneus do seu automóvel com mais frequência, não utilizando o pneu até o desgaste total.  No entanto, um bom caminho na busca pela mudança desse quadro, afirmam os contrários à importação, seria a adoção de políticas públicas com o fim de controlar a utilização dos pneus pelos usuários e melhorar o sistema de coleta das carcaças, fazendo com que a qualidade dos pneus usados aumentasse, podendo estes serem reaproveitados na indústria de pneus reformados, passando a obter a mesma qualidade do pneu reformado importado.

De outro lado, estão os que são a favor da importação de pneus remoldados. Para estes, além de ajudar na política de preservação do meio ambiente, a indústria de remoldagem de pneus gera mais empregos que as empresas fabricantes de pneus novos. Alegam, também, que o pensamento de que a importação de pneus remoldados amplia o passivo ambiental é alimentado pelas multinacionais, que se vêm ameaçadas em seu mercado por produtos com melhores preços e que possuem a mesma durabilidade e qualidade dos pneus novos.

Em artigo denominado “A emblemática questão da importação de pneus usados” a advogada Liana Maria Taborda Lima, especialista em Direito Aduaneiro, afirma que “o pneu reformado é encarado como um problema e não uma solução, o que realmente ele é, porque tem capacidade de adiar destino final das carcaças, alivia o meio ambiente e contribui para a redução dos custos do transporte”. (http://jornal.jurid.com.br/materias/noticias/emblematica-questao-importacao-pneus-usados)

A título de ilustração, no que diz respeito aos benefícios da indústria de pneus reformados, segundo estudo apresentado pela Associação Brasileira dos Recauchutadores, Reformadores e Remoldadores, colacionado em artigo acima citado, tem-se que:

“De maneira comprovada podemos afirmar que cerca de dois terços dos pneus usados no transporte rodoviário são reformados. Esse fato também nos trouxe à consciência de que proporcionamos ao país mais de R$600 milhões de reais de economia anual, somente no item petróleo para fabricação de pneus. Sabemos também que, sem o setor de recapagem de pneus, o país teria que dispor de aproximadamente US$ 3 bilhões para suprir a lacuna que seria gerada pela inexistência do setor de recapagem. De quebra, somos ainda responsáveis pelo emprego direto de 25 mil brasileiros e estamos distribuídos em todo o território nacional com cerca de 1.257 empresas.”  (http://jornal.jurid.com.br/materias/noticias/emblematica-questao-importacao-pneus-usados)

Sabe-se que os danos ao meio ambiente podem ser causados por qualquer tipo de pneu, tanto usados quanto novos, sendo inevitáveis os resíduos causados por estes produtos. Nesse sentido, muitos afirmam que ao invés de ver a importação de pneus somente como uma ameaça ao meio ambiente, as autoridades deveriam buscar formas para gerenciar a disposição dos resíduos e reutilizá-los, de forma a não prejudicar o meio ambiente e não fazendo deste um empecilho para o crescimento de um setor que gera empregos e traz desenvolvimento econômico.

 

III – DA REFORMA DA DECISÃO PELO TRIBUNAL PERMANENTE DE REVISÃO DO MERCOSUL

Tendo em vista sua inconformidade com a decisão, o Uruguai recorreu perante o Tribunal Permanente de Revisão, tendo este emitido laudo em 20 de dezembro de 2005, no qual faz suas considerações a respeito do laudo arbitral que se posicionou favorável à Argentina, vetando a importação pneus remoldados.

De acordo com o laudo de revisão, o Tribunal Arbitral teria cometido uma falha colocando no mérito da controvérsia qualquer outra norma que a Argentina possa vir editar com os mesmos fins da lei 25.626/2002.

O Tribunal Permanente de Revisão reconheceu a proteção ao meio ambiente como possível exceção ao princípio do livre comércio e considerou que a referida exceção deveria ter sido analisada com base apenas nas regras que regem o Mercosul, sendo o Direito Internacional usado de forma secundária.

No laudo, o Tribunal afirmou que a Argentina agiu com discriminação, tendo em vista que a proibição se referiu apenas aos pneus remoldados estrangeiros, considerando a conduta da Argentina desproporcional uma vez que o dano por ela afirmado não possui a gravidade nem irreversibilidade alegada. Aduziu ainda que, salvo se for a única medida possível, não se pode impedir o livre comércio, eliminando de circulação um produto estrangeiro que tem a mesma segurança de um produto nacional e que as medidas tomadas pela Argentina não evitam a ocorrência do dano, devendo estas serem voltadas à limitação e eliminação de pneus inservíveis.

Diante desses argumentos, o Tribunal Permanente de Revisão revogou o laudo do Tribunal Arbitral Ad Hoc, concluindo que neste havia erros jurídicos evidentes, determinando que a lei 25.626/2002 é incompatível com a normatização aplicada no Mercosul e proibindo a Argentina de adotar qualquer medida que restrinja a importação de pneus remoldados do Uruguai até que o Mercosul aprove norma sobre o tema.

 

III – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar das várias pesquisas realizadas sobre a disposição de resíduos sólidos e mais especificamente sobre o aproveitamento de pneus usados, as questões que envolvem a destinação e os prejuízos que esses resíduos podem causar ainda geram inúmeras discussões ao redor do mundo.

A restrição à importação de pneus usados ou remoldados ao mesmo tempo em que pode ajudar na proteção ao meio ambiente, também pode gerar prejuízos aos países que exploram esse setor, impedindo o crescimento, uma vez que este gera emprego e desenvolvimento.

Muitos países, independente do índice de desenvolvimento, ainda vêm a disposição de resíduos sólidos como um problema crônico, apesar da adoção de políticas públicas que buscam uma solução para os problemas ambientais e de saúde provenientes do acúmulo desses resíduos.

Diante disso, este tema continuará causando opiniões divergentes até que se encontre uma solução permanente para a questão, de modo que se consiga alcançar o desenvolvimento sem causar danos ao meio ambiente.

 

IV – REFERÊNCIAS

CASTOR, Belmiro Valverde Jobim. Polêmica – Importar ou não pneus remoldados. Disponível em http://www.gestaonocampo.com.br/biblioteca/polemica-importar-ou-nao-pneus-remoldados/

CRAIDE, Sabrina. Importação de pneus usados é ponto polêmico de projeto para resíduos sólidos. Disponível em http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2007-09-23/importacao-de-pneus-usados-e-ponto-polemico-de-projeto-para-residuos-solidos

DE OLIVEIRA, Rafael Santos. As assimetrias na normatização ambiental no MERCOSUL: É possível uma harmonização legislativa entre os seus estados-membros?Disponível em http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8161

DOS SANTOS, Evandro Edi. Direito Internacional – Mercosul. Disponível em http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1276

FREITAS JÚNIOR, Antonio de Jesus da Rocha. Considerações acerca do Direito Ambiental do Mercosul. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 136, 19 nov. 2003 . Disponível em http://jus.com.br/revista/texto/4448

INDRIUNAS, Luís. Como funciona o reaproveitamento ou reciclagem de pneus. Disponível em http://ambiente.hsw.uol.com.br/reciclagem-pneus.htm/printable

JUNIOR, José Maria da Silva. Aspectos jurídicos da disposição irregular de resíduos sólidos e impactos à saúde. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2961, 10 ago. 2011. Disponível em http://jus.com.br/revista/texto/19735

LIMA, Liana Maria Taborda. A emblemática questão da importação dos pneus usados. Disponível em http://jornal.jurid.com.br/materias/noticias/emblematica-questao-importacao-pneus-usados

MERCOSUL. TRIBUNAL ARBITRAL Ad Hoc. Laudo sobre Controvérsia apresentada pela República Oriental do Uruguai à República Argentina sobre “Proibição de Importação de pneumáticos remodelados”. Disponível em http://www.tprmercosur.org/pt/sol_contr_laudos.htm

MERCOSUL. Tribunal Permanente de Revisão. Laudo nº 01/2005. Recurso de Revisão Apresentado pela República Oriental do Uruguai contra o Laudo Arbitral do Tribunal Arbitral Ad Hoc de 25 de Outubro de 2005. Disponível em http://www.tprmercosur.org/pt/sol_contr_laudos.htm

Tratado de Assunção. Disponível em www.mercosul.gov.br

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